Englobar mais-valias pode ditar menos rendimento líquido

Os cálculos da Ilya têm em conta dois contribuintes com um salário anual de 77.500 euros, com um a somar a este rendimento mais-valias e 7.500 euros e o outro a registar mais-valias de 6.000 euros.

Apesar de, em termos brutos, o contribuinte do primeiro exemplo chegar ao final do ano com um rendimento mais elevado (85 mil euros contra 83.500 o contribuinte do segundo exemplo) acabará com um valor líquido mais baixo, recebendo, depois de pago o IRS, 56.968 euros enquanto o segundo contribuinte ficará com 57.208 euros.

A situação, refere o fiscalista Luís Leon, da Ilya, resulta da medida prevista na proposta do Orçamento do Estado para 2022 (OE2022) que determina o englobamento obrigatório de mais-valias resultantes da venda de títulos mobiliários (como ações) detidas há menos de um ano para os contribuintes que atingem o escalão de rendimento coletável mais elevado e que no próximo ano fica balizado nos 75.009 euros.

De acordo com as simulações, uma pessoa que aufira 77.500 euros de rendimento de trabalho e registe ainda ganhos e 7.500 euros com venda de ações detidas há menos de um ano entra na esfera do último escalão, sendo obrigada a englobar este rendimento e a sujeitá-lo às taxas progressivas dos escalões do IRS. No total pagará 28.032 euros de imposto.

O contribuinte que some 6.000 euros de venda de ações detidas há menos de um ano a 77.500 euros e rendimento de trabalho não atinge o último escalão de rendimentos podendo exercer a opção de sujeitar as mais-valias à taxa liberatória de 28%, pagando no total 26.292 euros de imposto.

Assim, aponta Luís Leon, apesar de um dos contribuintes superar o rendimento bruto do outro em 1.500 euros acabará por ficar com menos 236,65 euros em termos líquidos, situação que, para o fiscalista, poderá mesmo violar “princípios constitucionais que balizam o direito fiscal”, na medida em que “por um euro a totalidade da mais-valia” pode passar de uma taxa de 28% para uma taxa “de 48%, 50,5% ou 53%”.

O OE2022 prevê que “o saldo entre as mais-valias e menos-valias, resultante das operações previstas na alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º [alienação onerosa de partes sociais e de outros valores mobiliários], incluindo os rendimentos referidos nas alíneas b) e c) do n.º 18, são obrigatoriamente englobados quando resultem de ativos detidos por um período inferior a 365 dias e o sujeito passivo tenha um rendimento coletável, incluindo este saldo, igual ou superior ao valor do último escalão do n.º 1 do artigo 68.º”.

Com o englobamento obrigatório, os contribuintes abrangidos passarão a ter de somar aos restantes rendimentos (de trabalho e pensões) estas mais-valias que, desta forma, são sujeitas às taxas progressivas do IRS, que começam nos 14,5% para o primeiro escalão, e avançam até aos 48% para rendimentos do último escalão, às quais se poderá ainda somar o adicional de solidariedade.

O apuramento é feito pelos bancos, sendo criada a obrigação de “comunicação dos rendimentos de forma padronizada ao contribuinte pelas instituições financeiras depositárias dos títulos, como mecanismo facilitador do preenchimento da declaração de IRS”.

O Governo estima que a medida possa gerar uma receita de 10 milhões de euros, ainda que o Ministro das Finanças, João Leão, tenha apontado já a dificuldade em fazer previsões de receita devido “a alguma alteração comportamental dos agentes”.

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